segunda-feira, 12 de julho de 2010

O que é realmente Yoga?




O octógono, ou melhor, a chouprana, também trazia em seu desenho a base de toda filosofia do Yoga, proposta por um grande sábio, que muitos acreditam ter vivido entre os séculos 5 e 6 antes de Cristo. Ele deu à humanidade a forma que hoje conhecemos como a filosofia do Yoga: os oito degraus de desenvolvimento da mente para atingir o estado de Iluminação. Essa escritura, os Sutras de Patanjali, é considerada o grande manual da psicologia do Yoga. Só para você saber o grau de entendimento que este sábio tinha: esta escritura poderia ser a base de toda psicologia moderna. São ensinamentos práticos e o corpo do yogue é o seu lugar de experimentação e libertação.

Ele começa assim, em seu segundo sutra: “O yoga é restrição das modificações da mente”. Esta é uma das definições. Existem muitas, porque é um dos textos mais comentados no meio do Yoga. Patanjali discorre a maneira como a mente atua, o que nos impede de ter domínio sobre ela, de que forma podemos torná-la nossa aliada na busca da Iluminação e os passos que isto pode acontecer, os níveis de iluminação (samadhi), como se chega a ele, quais as técnicas e o que acontece neste estado último da experiência yóguica.

Esta escritura é uma sintetização do processo de Iluminação, fundamentada por quem já passou por todo este caminho, não é uma mera especulação intelectual. Isto que é o mais fantástico de todo este conhecimento que Patanjali coloca em oito níveis de percepção e que não representa uma passagem de um estágio para o outro, porque todos acontecem simultaneamente numa espiral evolucionária de percepção: dois deles (yama e nyama) nos orienta agir no mundo através da observação de nossas atitudes, pensamentos e palavras. Fala de práticas como a não violência, a verdade, o controle dos sentidos, a não possessividade e não roubar. Estes são os preceitos dos Yama. E os Nyama são pureza, contentamento, autodisciplina, autoestudo e entrega. Estes códigos de conduta devem permear todos os demais “angas” ou partes do caminho óctuplo do Yoga.

O terceiro nível de percepção é prática sistemática de Asanas (posturas psicofísicas), que prepara o futuro yogue fisicamente para se sustentar no propósito (sankalpa). Neste ponto temos acesso a outro conhecimento: o do Hatha-Yoga. O quarto nível é o de controle e expansão e direcionamento da energia vital: os Pranayamas. Todas estas práticas com o objetivo de purificação dos corpos denso e energético e que levam o praticante a aprofundar-se na real natureza de sua existência, ao conhecer intimamente a sua relação com os sentidos, e de como esta relação é o fruto da ignorância (avidya). Neste nível de percepção desenvolve-se Prathyahara (controle dos sentidos). É nesse momento que podemos dizer que o Yoga começa e que conduz à concentração, Dharana, pois a mente já não se ocupa com distrações (citta-vrttis). Segue-se Dhyana, meditação. Tudo antes é preparação do sadhaka (praticante) para chegar ao Samadhi, a Iluminação.

Isto é um resumo de um longo caminho de prática contínua e desapegada (Abhyãsa e Vairãgya). Os yogues firmes e decididos chegam à dissolução da ilusão e atingem Kaivalya (Auto-Realização).

E muitos perguntam como isto funciona na prática? Na prática estes estágios têm outra dinâmica, porque o processo de autoconhecimento é uma espiral evolutiva e ao compreendermos que tudo é um fluxo contínuo de percepção, este modelo pragmático, em etapas, não tem sentido. Podemos compreender isso quando nos encontramos numa postura de Yoga que fazemos todos os dias. Se estivermos realmente praticando veremos que a cada dia há uma nova maneira de “estar” na postura e que permanecemos nela apenas por um tempo. Mas o que levamos deste entendimento conquistado a cada prática é que nos mantêm no fluxo. Meu professor me ensina que nós não vivemos no asana (postura). E como também ensina minha outra professora, a prática do Yoga começa quando saímos do “tapetinho”.

“Os estados de fluxo não são conquistas definitivas, o que queremos é conseguir entrar e sair quando precisarmos, e manter o estado sem tensão para que o fluxo da experiência aconteça (ou nos estados mas profundos da não experiência) E o mesmo acontece quando meditamos ou estamos em qualquer parte dos oitos “angas” do Ashtanga Yoga” orienta meu professor. Ele continua ensinando que tudo é estável e dinâmico ao mesmo tempo Conhecido pelos estudantes do Yoga como “Sthira” (estrutura) e “sukha” (maleabilidade), estes dois aspectos da prática são simultâneos para permitir o fluxo que é a consciência. Explica que os sutras não são taxativos e sim, sintéticos, mas ao mesmo tempo polissêmicos, multisignificativos, graças à estrutura do sânscrito, diferentemente das nossas línguas ocidentais que não têm essa capacidade de sintetização e por isso precisamos escrever muito criando um contexto de significado aberto a reinterpretações. Isto também acontecia na Índia antiga, por isso todos os textos clássicos têm inúmeros comentários.

Só de saber já nos inspiramos e desenvolvemos uma profunda gratidão por todos que mostram a possibilidade deste encontro final consigo mesmo, pois como escreveu Mircea Eliade em seu precioso livro Yoga e Imortalidade: “A liberação do homem “libera” ao mesmo tempo um fragmento da matéria, à qual é permitido, assim retornar à unidade primordial de onde surgiu. O yoguin contribui direta e pessoalmente para o repouso da matéria, para abolição de pelo menos um fragmento do cosmos.”

Significa que cada um de nós que "despertar” para sua verdadeira essência (svarupa), ajudará a tornar este mundo um lugar melhor para se viver. Então, vamos manter nosso sãdhãna (prática) que envolve os oitos níveis de percepção ensinados por Patanjali e nos encontraremos lá em Kaivalya a qualquer momento.


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