terça-feira, 6 de julho de 2010

Qual é o espírito da religião ou qual é a religião do espírito?


Não pensei em fazer capítulos e nem montar uma sequência cronológica dos acontecimentos. Só que cheguei aqui e estou “despejando” no papel, como uma espécie de verborragia mental (acho que alguém já disse isto). Não quero parar, este é o segundo dia desta inspiração reprimida. Também, o primeiro e único livro que escrevi foi em 1990. Escrevo algumas coisas, mas não é sempre. A cada seis meses, talvez. Mas agora parece que preciso por para fora, meio que vomitando. Parece um processo de purificação e que no Yoga chama-se Krya. E agora que cheguei neste capítulo espero poder controlar mais este impulso, para que não pareça uma psicografia, com todo respeito aos espíritas. Vi o filme do Chico Xavier e achei incrível o poder daquele homem, o desprendimento em seguir a voz interior, o Dharma que é considerado no Yoga a mais elevada aspiração humana.

E já que toquei sobre este assunto de espiritualidade, sempre tive dificuldade em assumir uma postura devocional ou religiosa. Tive períodos da minha vida que me envolvi completamente com algum ideal religioso. Fui criada sob a doutrina do catolicismo e cheguei até ser comentarista nas missas dominicais. Fui batizada, quase que não fui crismada (a freira disse que eu tinha repetido o ano, que não fui uma boa aluna de crisma. Também pudera, faziam uma pressão psicológica. Falavam que o diabo ficava embaixo da cama com aquele espeto cumprido se a gente fizesse alguma coisa errada. E no dia da crisma se o véu tocasse o de outra menina, dava choque. Imagine, o meu não parava de dar choque no das outras!). Eram outros tempos, e os demais sacramentos, ainda não os realizei.

Quando cresci um pouco mais e me tornei rebelde convicta, desisti de tudo e abri um abismo entre mim e a igreja católica, suficiente para me tornar uma ovelha negra no seio da família. Isto piorou quando comecei a frequentar mesa branca, depois gnose, fui até em igreja quadrangular. O que é o desespero de um ser! Conheci o Yoga em 1997 e comecei a me acalmar, mas aí já estava num processo de descrença total.

A primeira aula de yoga a gente nunca esquece! Primeiro foi tirar o sapato para entrar na sala e depois sentar no chão com as pernas cruzadas. Quando chegou o momento de fazer o OM, eu não aguentei, pois a professora pediu para unir as mãos em frente ao peito. Eu não podia acreditar naquilo! Até aqui tem esta história de religião? Queria levantar e sair correndo três dias, mas algo me conteve e permaneci até o fim da aula. Sinto que me mantenho no Yoga pelo mesmo sentimento do início, ou talvez para ver aonde isso tudo vai dar.

Não desejo criar polêmica com o assunto de religião, porque ainda tem uma névoa na minha mente a respeito disso. O que posso dizer neste momento que o Yoga é e não é religião. Depende do contexto, do ponto de vista, do que se busca com o Yoga. O que é certo é que nasceu filosoficamente dentro de um contexto religioso, da religião brahmânica, há muitos mil anos atrás e está inserido no Hinduísmo, que pode ser mais considerado com um grande sistema de crenças, do que uma única religião. Mas isto não importa, porque todos buscam apenas a parte prática do Yoga e, geralmente, porque o médico sugeriu, ou está muito estressado e dizem que o yoga acalma, ou porque tá se sentindo duro, encurtado, tenso, e precisa alongar o corpo.

A pessoa só recebe na medida em que busca. Quem quer a parte terapêutica vai receber. Quem quer a parte que “você foge dos seus problemas”, vai ter, temporariamente. Quem quer apenas fazer posturas difíceis, vai ter também e junto algumas lesões, se não estiver bem preparado.

Eu já passei por todas estas etapas, principalmente a da parte da lesão. Hoje não acredito que possamos continuar sendo irresponsáveis como instrutores de yoga. Ficar na frente de uma turma, fazendo malabarismo como se estive no Circo Soleil não é a melhor maneira de dar aula de yoga. Fechar os olhos e não querer ver o que os alunos estão fazendo é horrível. Já fiz aula com professor assim, o tempo todo de olhos fechados, como se o yoga fosse algo que acontece apenas dentro e não fora, no corpo. Além do que me senti completamente ignorada e ainda bem que eu não estava com problema de autoestima naquela época. Parecia que tinha baixado um outro ser e começou a dar aula, porque também mudou a voz completamente. Sabe aquela voz suave, quase que apagando, sussurrando, que professor de yoga tem mania de fazer.

Já li a respeito numa entrevista do filho do Krishnamacharya, Desikachar, que não tem esta história de cantar OM e fazer puja em aula de yoga. Isto pertence ao aspecto devocional do Yoga. Prática de Hatha-Yoga é uma coisa, devoção é outra. E ele mesmo diz que os próprios mestres hindus fazem esta mistura e que não tem nada a ver com o Yoga Sutra de Patanjali e com os textos do Hatha-Yoga.

Depois disto fico a me questionar até que ponto criamos confusão no Brasil ou no ocidente, fazendo altares em salas de yoga, misturando deidades num mesmo altar, criando ambientes místicos e religiosos, como se o Yoga fosse apenas uma abstração ou uma “descida” do divino até nós. E foi aí que quando conheci o meu professor em 2007, comecei compreender um pouco mais do que é ser um yogue. Principalmente quando se aprende que o Hatha-yoga tem origem no Tantra. E neste ponto começa o preconceito dentro dos praticantes de Yoga no ocidente. Quando falam de tantra é porque tem sexo no meio e esquecem que tudo que é feito com corpo e com a energia é tântrico, inclusive as posturas de yoga e o sexo voltado para a transcendência. Falam da mão-esquerda e da mão-direita do Tantra, como se uma mão fosse melhor que a outra. Que forma estranha de ser preconceituoso. Ou o divino só tem uma mão? Esquecem também que o símbolo do Yoga é a flor de lótus, que nasce na lama, é sustentada por ela. A flor de lótus não esquece de onde veio e porque quando assumimos uma “postura de yogues” esquecemos que, se não foi nessa, mas em outras vidas fizemos coisas que até Deus duvida? Ainda bem que apagam tudo quando retornamos. Ninguém está de turista bonzinho nesta existência, essa é a verdade, mas também não estamos apenas para “pagar karma”, porque isso é outra grande ilusão. Viemos para experimentar a evolução e, de qualquer maneira, estamos fazendo isso.

Não quero defender e nem fazer apologia a nenhuma vertente do Yoga, lanço apenas um pouco das sementes da dúvida que devem ser torradas, depois de compreendidas e esclarecidas por todos que trilham esta senda. Talvez descubramos que os nossos mestres não são tão perfeitos assim, aliás, podemos descobrir que eles são bem humanos e sujeitos ainda às leis do karma, porque ainda estão dentro da roda de samsara (a vida) e todos nós juntos giramos com ela e de mãos dadas num enlace invisível.

Meu professor fala abertamente, sem meias-verdades porque provavelmente ele não tem problemas em falar de onde veio, como a flor de lótus. Um dos princípios mais importante do Yoga é Satya, que significa verdade. Porque se incomodar quando a verdade não é mesma que a nossa? Existe uma única verdade? Pode meditar sobre isso, é bom!

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