Morar longe da família é muito bom. Acredito que todos deveriam, pelo menos uma vez nas suas vidas, se afastarem dos padrões familiares. Este afastamento nos torna mais vulneráveis e também abertos para outras realidades. Sempre falo dos samskaras, não é mesmo? É que a família e a sociedade são grandes fontes de samskaras, aquelas impressões que entram em nossa mente desde pequeninos. Samskaras não são apenas coisas ruins. O que somos é fruto de todas estas impressões. Só que têm coisas que não somos e continuamos acreditando porque alguém em algum momento disse que a gente era assim: feio ou bonito, chato ou bacana, covarde ou impulsivo. E isso a gente vai carregando como uma mochila nas costas, com estas coisas que não servem mais, como roupas de quando éramos bebes. E quando descobre que todo mundo passa por isso, acaba aquela velha mania de encontrar um culpado, que sempre é a mãe.
Sempre gostei de trabalhar, de aprender, e sonhava em ser executiva. Estudei, me formei em economia e trabalhei em grandes empresas. Mas sempre que podia mudava de emprego. Chegava um momento que eu perdia o interesse, ficava monótono, acabava o desafio. Então ficava no máximo de quatro a cinco anos nas empresas, para o desespero da minha mãe, cujo sonho era me ver estabilizada, casada e bem gorda. Então eu casei, estabilizei algum tempo, e fiquei gorda quando engravidei. Tudo durou dois anos e foi bom
Quando vim para Natal eu disse à minha mãe que fiquei 40 anos com ela (perto dela) e agora quero ficar os outros 40 comigo. Meio trágico não? É que chega um momento que já nem sabia quem eu era, perda total da identidade. Isto aconteceu também quando fiquei mãe. O primeiro ano eu me sentia uma teta de vaca! Eu adorei ser uma teta de vaca, pois fiz uma escolha: ficar um tempo em casa cuidando do filho. Entreguei-me tanto à maternidade e quem me conhecia não acreditava o que eu fazia, e hoje quando lembro, nem eu, pois fiquei dois anos criando a cria na linha da macrobiótica e da homeopatia. Não sei de onde tirei tanta paciência, mas a coisa de ser mãe é muito louca. Você se transforma.
Acredito que a maternidade foi o início do meu andar em direção ao Yoga, pois foi através dela que as transformações começaram a ocorrer em minha vida. A presença de outro ser, vindo direto da fonte, ilumina seu caminho e amplia as perspectivas de um mundo melhor. Foi o que aconteceu comigo! Acredito que foi Chris Griscom que disse que o potencial da mulher aumenta depois do parto, e dura uns dois anos, e que é a melhor fase para aproveitarmos as oportunidades que a vida tem a oferecer a quem se permite viver novas aventuras.
Para continuar este caminhar que leva ao autoconhecimento cometi algumas “insanidades” no olhar daqueles que vêm a vida com olhos cheios de preconceito. Mesmo assim sinto gratidão por todos que “permitiram” que eu desfrutasse desta aventura que é ficar só, como um retiro voluntário (será?).
Quanto à família, acredito mais nos laços do que nos nós, porque sinto que comecei a desfazer alguns. Acredito sim, nos laços que enlaçam feito os abraços dos meus familiares quando vou visitá-los. É isto que me alimenta e sustenta as minhas escolhas, mesmo as contraditórias e difíceis de serem aceitas. Minha família espera o retorno da filha pródiga e eu espero não precisar fazer isso porque tem caminhos que não tem volta e eu sinto que o meu é um desses. Mas como não tenho o total controle “entrego, confio, aceito e agradeço”, como escutei dos próprios lábios do Prof. Hermógenes no alto dos seus 90 anos esse mantra de sabedoria e lucidez.
"As coisas que amamos
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade
Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra maneira se tornam absoluta
numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.*
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar"
Carlos Drummond de Andrade
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