terça-feira, 6 de julho de 2010

O Yoga confunde ou confundimos o Yoga?





Tenho dificuldades em lidar com o assunto religião, mas adoro a espiritualidade, que é o passo seguinte para aquele que se torna um religioso verdadeiro, que leva a sério a sua religiosidade. Isto foi dito, mais ou menos assim, por George Feurstein, em seu livro As Virtudes do Yoga. Concordo com ele, e também acrescento que a religião não é pré-condição para ser espiritualizado. O yogue sempre foi considerado na Índia das castas, aquele que não tinha casta, que podia transitar livremente por todas as tradições. Era aceito entre os reis, mesmo sendo um renunciante à vida material. Ele tinha algo que ninguém possuía: discernimento e sabedoria, além de ser imparcial, porque não tinha interesse pessoal. Seu único interesse era sua própria libertação (moksha).

Parece um pouco egoísta, mas não é. O caminho do yogue é solitário. Ele pode começar com a orientação de um mestre, mas é só no começo. E a sua libertação, no final da jornada, acende uma estrela no céu da Iluminação e cria novas condições, num nível subatômico, para que outros possam seguir o mesmo caminho, com segurança e liberdade. É como aquela música do Gilberto Gil: há de acender uma estrela no céu cada vez que você sorrir!

Então o yogue solitário contribui, na sua Iluminação, para que a consciência se expanda e atinja outros seres. Pelo menos eu acredito nisso, porque quando consigo compreender algo um pouco mais, como, por exemplo, quando coloco em prática a minha capacidade de acreditar, sinto a leveza no coração e o mundo fica um lugar melhor para se estar. Imagine quando um yogue se ilumina?

E essa coisa de se iluminar, como meu professor já disse, é algo que estamos sempre fazendo. Acontece quando temos uma ideia, um insight, escrevemos uma poesia. Ele explica da seguinte forma: temos um problema e precisamos resolver. O que fazemos? Ficamos isolados refletindo sobre o tal problema. Isto é Dharana (concentração). Criamos um estado de total absorção, onde todas as possibilidades de resolução do problema são observadas e ponderadas. Isto é Dhyana (meditação). E vem a solução depois de um certo tempo. E isto é Samadhi (Iluminação). Esta solução pode acontecer na sequência do processo ou em outro momento, quando nossa mente está limpa, tranquila e já ponderamos (meditamos) o suficiente sobre a questão.

Feurstein, no livro acima citado, fala da mesma coisa e chama de autotranscendência mais ou menos intencional, e cita exemplos: “sempre que amamos, quando temos sentimentos de compaixão, quando fazemos sacrifícios pessoais, quando aprendemos, quando mudamos de ideia a respeito de algo, quando assumimos um regime dietético ou de exercícios, quando rompemos com um padrão negativo de hábitos, quando superamos o medo, quando protestamos de modo corajoso contra um comportamento ou regra censurável”.

No entanto, a autotranscendência do yogue é intencional, é madura. E copiando Feurstein: “Ele segue um caminho espiritual de modo deliberado e voluntário, por meio do qual procura ultrapassar o sentido comum do eu, que é a idéia convencional de habitar um único corpo, distinto de todos os outros”.

O caminho do Yoga é o andar no fio da navalha, dito pelo mesmo autor acima. E sem se cortar. Mas o verdadeiro yogue sabe disso e ele faz o caminho parecer um trajeto tranquilo, porque os obstáculos são o seu deleite. É por isso que o estudo aprofundado do Yoga alimenta a nossa alma, porque é a própria alma relembrando outras almas do propósito (Dharma) que une todos em uma teia de complexas e envolventes relações a que chamamos de vida.

Comecei este texto porque lembrei que tenho muitos amigos em diversas religiões, principalmente no Movimento Hare Krishna. Quando morava em Curitiba, eu frequentava os festivais de domingo. Eles eram muito animados e eu saía de lá sempre muito feliz. Era a fase em que fiquei mais devocional, depois de ter conhecido um mestre indiano chamado Sai Baba. O que posso revelar é que pela primeira vez senti o Amor Divino, o amor de Pai e de Mãe juntos, em meu coração. Se me perguntarem se sou uma devota, eu tenho que ser franca: não!

Respeito o Movimento Hare Krsna e também outras linhas orientais, como o Budismo. Muitas ideias centrais do Budismo estão relacionadas com a visão do Yoga. Mas sempre há divergências e é a diferença que enriquece cada um deles. Procurar pontos de discrepância costuma ser apenas usado para confirmar a arrogância de que o nosso caminho é o mais correto. Os pontos comuns são muito mais visíveis e nos aproximam. Yoga significa união e todos os yogas, seja da devoção (bakti yoga), seja da ação (karma yoga), seja do conhecimento (jnana yoga) ou do corpo (hatha-yoga), expressam o ideal de viver em comunhão e de transcendência da ignorância.

O que precisamos aprender quando nos colocamos à frente de um grupo de pessoas para ensinar o beabá do Yoga (porque eu sou ainda um bebê engatinhando e talvez seja por isso que eu gosto tanto da postura do gato), é respeitar as escolhas religiosas e não religiosas dos praticantes, não impor as suas crenças e mestres e nem montar altares com as fotos destes mestres, porque podem virar motivo de piada e até de desrespeito. A devoção, no meu entender, é algo íntimo. Pertence à esfera pessoal de cada indivíduo. Outra coisa, que meu professor comentou em uma de nossas conversas sobre o verdadeiro Yoga, é que não tem sentido ficar cantando mantras para diversas deidades diferentes. Por exemplo, cantar manta para Krishna e para Shiva. São aspectos distintos da divindade. São invocações a arquétipos (na visão mais yunguiana) que representam coisas distintas. E transformar mantras, que são sons sagrados, em kirtans para todo mundo cantar enfraquece o poder do mantra. E, segundo ele, Krshna Das é o que pode se considerar aquele que matou a essência do mantra.

Bom, eu acredito nisso, apesar de ter curtido muito os mantras transformados em Kirtans. Mas se refletirmos por este outro prisma, precisamos ter mais discernimento e não criar uma confusão maior junto aos incautos praticantes do Yoga. Vale aqui uma receita bem simples: se não conhece o que está fazendo, não faça. A honestidade no Yoga é o que o torna uma tradição das mais respeitadas na humanidade e que ainda permanece presente há mais de 5 mil anos. Um presente da Índia a todos os seres viventes neste planeta. Salvemos o Yoga da nossa própria avidya (ignorância)!

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