terça-feira, 6 de julho de 2010

Viver para morrer ou morrer para viver?




Muito do que escrevi até aqui foi fruto de uma catarse misturada com crise espiritual. Parece que estou me despedindo de algo, de uma parte de mim que não preciso mais. Se eu fosse um indiano, estaria me preparando para subir a montanha, me tornar um renunciante (sanyasi), mas não sou. Renunciar é fazer-se de novo. Depois de ter agido no mundo, o sanyasi sobe a montanha, por assim dizer, e não tem mais nenhum contato com as coisas mundanas e vive do que a natureza e as pessoas lhe oferecem. Não é um mendigo. Ele fez uma escolha. Isto é muito difícil para nossa mente cartesiana compreender. E tem uma época certa para renunciar, é uma vida toda se preparando para este momento.

Aqui no ocidente, as pessoas morrem sem antes renunciar. Estão no leito de morte, apegadas à vida. Por isso que há muito sofrimento nesta hora. O sanyasi renuncia ao mundo, antes do mundo renunciar a ele. É ele quem vai de encontro à morte do corpo, ou melhor, da iluminação da mente.

A morte é encarada como uma passagem para outro estado de ser. No ocidente, a morte é um mistério e nem queremos falar sobre isso. Queremos viver ao máximo, ter mais prazer e menos dor. Não compreendemos uma das grandes idéias centrais do Yoga: quanto mais prazer mais sofrimento. Os que morrem dormindo são abençoados, mas a maioria morre sofrendo ou embotando o sofrimento com drogas lícitas, inconscientes da hora que se aproxima, resistindo à morte, mesmo que a vida seja apenas dor. Dalai Lama ensina que vivemos como se não fôssemos morrer e morremos como se nunca tivéssemos vividos. Por que será que isto acontece?

E a resposta se encontra no cerne da filosofia do Yoga: o medo (abhinivesha). O medo é uma das cinco aflições que nos rodeiam, pobres mortais. A primeira miséria humana chama-se ignorância (avidya). Quem não se pergunta sobre a sua existência, já está morto. Ignorar quem você é significa viver uma vida no piloto automático, ou ser uma folha levada ao vento e segundo Sêneca, qualquer lugar serve para quem não sabe a direção. Ou ainda a piada do cara que pegou o elevador e o ascensorista pergunta: Qual o andar? Ele responde: qualquer um, pois, já errei de edifício mesmo!

A ignorância é a matriz geradora das outras quatro aflições. Caímos de pára-quedas no mundo e desconhecemos tudo que veio antes de nós, nossa ancestralidade, nossa história como seres humanos. Caímos direto na frente de um computador, nos conectando com todos, de forma instantânea. Deveria ser ao contrário, já que temos acesso a todo e qualquer tipo de informação. Por não sermos curiosos o suficientes para irmos atrás da resposta, nos identificamos com aquilo que acreditamos ser ou que falam que somos: o ego (asmita). E o ego nos leva ao apego a tudo: pessoas, bens materiais, profissão, poder. O apego (raga) gera outra aflição: a aversão (dvesha). Quando temos uma experiência que não foi de prazer, evitamos qualquer contato futuro, seja com pessoas, situações, pensamentos. Ou seja, ou nos apegamos ou criamos aversão. E por conta disso sucumbimos ao medo (abhinivehsa). Medo de morrer, porque acreditamos que o ego é a fonte da vida.

Todo este tratado sobre nossa ignorância existencial encontra-se nas escrituras mais antigas do Yoga. Não são meras especulações, são fatos que comprovamos diariamente em nossas vidas. É só pararmos um pouco e perceber. E o medo, como fica? Encara e medita nele, afinal é um samskara. Ou abraça-o e enfrenta as transformações que o autoconhecimento nos presenteia. Quem disse que ter consciência é evitar a dor? Mas é muito mais verdadeiro (satya) viver na experiência de estar vivos. E continuando com Joseph Campbell, que eu amo: “Dizem que todos procuramos um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e de nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos.”

Não é genial? Ele é tântrico, pois afirma que precisamos sentir em nossos corpos o viver e que isto ressoe dentro de nós, no interior de nossas células, que são pontos de luz vibrante em frequências altíssimas prontas para eclodirem feito o big-bang da Iluminação!

"A cada dia que vivo mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade." Carlos Drummond de Andrade

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