sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Começar de novo ou inovar a cada recomeço?



Dar aula de yoga não é algo que se aprende, mas que se vivencia. A gente pode conhecer bem as posturas, falar dos seus benefícios e seus nomes em sânscrito, montar uma sequência adequada, enfim, criar uma lógica para sustentar a prática do aluno. Mas só isso não é o suficiente para passar a essência do Yoga. Você só pode passar o que acredita, o que o seu coração expressa e está aberto para transmitir ao outro. Por isso eu aprendi com minha professora que é necessário alicerçar a prática com um tema. Ele cria um elo entre o aluno e a prática e dá um direcionamento à aula.

Então tenho sempre procurado trazer à tona um pouco dos ensinamentos do Yoga nas minhas aulas, buscando variar os assuntos e criando uma conexão entre a prática e o assunto abordado no dia. E num desses dias em que estava introduzindo o conceito do Ashtanga Yoga de Patanjali, uma aluna me perguntou em que ponto eu já estava na minha prática.

Eu olhei para o quadro onde escrevi sobre os oito níveis de conhecimento que o praticante de Yoga precisa acessar e aplicar na sua vida para conquistar a liberação (Moksha) e me dei conta que nem comecei a jornada. Olhei para ela e disse que ainda estava engatinhando e quando você pensa que dominou algum aspecto vem os samskaras (condicionamentos, pensamentos arraigados) e te derrubam. Falei para ela que existem pessoas que se dedicam integralmente ao Yoga e encontram a linha que lhe dá o suporte para esta jornada. Estas pessoas alcançam aquele estado de integração (Samadhi) em algum nível, porque são vários níveis de iluminação. Elas se transformam, mas continuam a jornada, pois percebem que há muito ainda a ser desvendado em si mesmo. O verdadeiro yogue é aquele que persevera.

E quando olhei para o quadro onde eu fiz as anotações decidi começar de novo, porque é assim que funciona e Iyengar (um grande professor de Yoga ainda vivo lá na Índia) já disse que todo dia a sua prática é nova, nunca é a mesma de ontem porque todos os dias estamos aprendendo a despertar para cada momento de nossa vida. O Yoga se faz a cada despertar, quando conseguimos nos desapegar de algo que nos prejudicava, quando abrimos mão de coisas fúteis em nossa vida, quando contemplamos todas as expressões da natureza, quando compreendemos o nosso lugar no cosmos e paramos de brigar por migalhas e nos tornamos guerreiros que buscam se libertar das prisões dos pensamentos condicionantes. Despertamos também quando o aluno nos faz "olhar para o quadro" da nossa vivência em relação ao Yoga.

Então pés no chão, coração aberto, mente elevada, e recomece a grande luta do despertar em que a guerra já está ganha, basta mudar o olhar, encontrar o foco e se lançar. A todo instante podemos traçar o nosso caminho, pois a estrada sempre estará lá, nos esperando. O importante é o caminhar, é entrar no fluxo e se lançar!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Vir à tona ou afogar-se?




Filho! Salve o texto que eu deixei aberto no teu computador porque vou dar aula agora!” E quando retorno ele me diz: “Mãe, sabia que você estava escrevendo sobre Yoga!“ Pois é! Se existe um assunto que me instiga, é este. Falei que já escrevi sobre ele nos capítulos anteriores, mas me disse que não quer ler. E me lembrei de um dia que escrevi um e-mail para ele (eu em Natal e ele em Curitiba) tentando justificar o injustificável. Escrevi sobre o que poderia ter escrito para ele naqueles anos de ausência, coloquei em palavras o que nunca poderia ser escrito, somente vivido. Então ele me respondeu: “Mãe, não precisa escrever nada, pois eu já leio faz tempo!” Então compreendi que ele sente quem eu sou e o que estou fazendo mais do que eu mesma posso compreender. Uns anos atrás, vendo um filme com criança, o meu coração de mãe se apertou e liguei para ele e pedi perdão por estar longe dele. Ele me respondeu com uma pergunta: “Mãe, você não está feliz? Isto é o que importa!” Desliguei o telefone e naquele momento comecei a ter dúvida se estava feliz. E como não posso evitar, recorro aos ensinamentos do Yoga que afirma que a felicidade plena é aquela que surge quando não temos dúvida, quando nossas escolhas são conscientes e vemos em tudo a perfeição. Independe de uma situação, de uma relação. Ela é e ponto final.

Então percebo o quanto sou feliz e como as pessoas sempre contribuíram em suas atitudes (positivas ou negativas, não importa) para que eu seja feliz. Meu filho é muito sábio e sempre demonstrou compreensão e aceitação pelas minhas escolhas que, de certa forma, transformaram a nossa relação. Fazer o que ninguém faz é arriscado, não há garantias. Entretanto, depois de ver tanta gente fazendo sempre as mesmas coisas e ainda se questionando se foi o certo, ou seja, ficando em dúvida, prefiro o risco de ter feito o que acreditava ser o melhor do que viver uma vida “morna”, como minha mãe uma vez falou, ou como diz o prof. Hermógenes, na normose.

Meu filho sabe que eu jamais me encaixaria nos padrões das mães da escola, das mães dos seus amigos, mas ele também é meio desencaixado por assim dizer. O fruto não cai longe do pé, não é mesmo? Eu e o pai dele sempre nos sentimos peixes fora d’água. De vez em quando, o peixe sobe para tomar um ar e, quando vai à tona descobre que existe outro mundo, outras possibilidades. O difícil é mergulhar novamente para a sua realidade.

Neste ponto gostaria de explicar o que não dá para explicar, mas acredito que o Yoga é este subir à tona, quando o peixe põe a cabeça para fora da água, e também é o submergir, quando ele retorna à vida marinha. O Yoga é este fio tênue que conecta as duas realidades e que, de tempo em tempo, podemos ir acessando sem morrer pela boca ao sentir a plenitude, ou sem se afogar na sua própria realidade!

Essa história de peixe me fez lembrar o que escreveu uma das mais atuantes professoras de Yoga que conheci em Natal que e que me convidou para fazer participar de um congresso de Yoga. Eu enviei um e-mail dizendo que nunca havia participado de nenhum congresso e que eu era como um peixe fora d´água. E me surpreendi com a resposta que ela me deu. Ela lembrou um dos primeiros discípulos de Shiva, Matsya, ele era um peixe e aprendeu Yoga vendo Shiva ensinar sua esposa Parvati. Ela escreveu que provavelmente Matsya deveria estar fora d’água. E continuo contando que Shiva vendo o interesse do peixe o tornou o primeiro a divulgar seus ensinamentos, dando origem à linhagem dos Nathas e do Hatha-Yoga. Achei muito simpático a colocação e adoraria ser esse peixe da mitologia hindu, mas não tenho muita habilidade dentro da água. Apesar de adorar as posturas que levam o nome de Matsya, gosto mesmo é de estar com meus pés bem firmes na terra, como a postura da montanha.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Outro papo de doido, ou o papo de doido é outro?




Quando estamos distraídos parece que a vida nos trai. E é neste instante que nos enganamos. Não há traição, há um grande equívoco por parte da nossa mente. No Yoga a mente é a grande articuladora da realidade em que vivemos. Como não percebemos o fluxo, criamos um tempo linear que se move do passado para o futuro e o quebramos em momentos (segundos, minutos, horas, anos, vidas) e, ainda pior, acreditamos que há continuidade.

De acordo com o físico Allan Wolf, esta história de tempo é a falsa ilusão que criamos para nos situar em algum lugar no espaço da existência, para sabermos quando temos que pagar as contas, ir ao dentista, tomar a pílula, marcar a cesárea, definir o fim de um relacionamento ou começar um novo, parar de ser ridículo e por aí vai.

E nesse ponto o Yoga, na visão mais tântrica, é genial, porque não há nada de errado nesta criação, ela apenas existe para o nosso benefício. E que beneficio? O de nos libertar dos nossos condicionamentos, de percebermos que o real e o ilusório são a mesma coisa e que só precisamos olhar para isto. É um olhar, um perceber que está além e também dentro do que criamos. Parece papo de doido? É e não é. Depende da percepção, de “abrir” a mente e não de esvaziá-la. De dar espaço para outras possibilidades. Só assim integramos e expandimos em consciência e liberdade.

Isso exige treino. Um treino do olhar. Uma atitude mais libertária, sem categorias, sem preconceitos de como as coisas devem ser. Isso bloqueia a nossa percepção, aliena e não agrega. Então vamos treinar. Temos muitas oportunidades ao longo de um só dia. Podemos começar com uma situação que nos aflige. Pare um instante, alinhe sua coluna, respire várias vezes com profundidade e entrega. Não queira controlar nada e abra o coração a cada respiração. Sinta como seu coração fosse pétalas de uma flor se abrindo e sinta a sua aflição, não racionalize, não defina, não explique, não julgue. Deixe que ela exista realmente e acolha, aceite, entregue e não espere nada.

Na principal escritura do Yoga, é ensinado que preciso de treino e desapego. Não diz que é para pararmos de pensar, e sim de olharmos para esses pensamentos e dar uma direção, um fluxo ininterrupto, de tal forma que não seremos mais distraídos ou “traídos pela vida”. Seremos, sim, atraídos para a plenitude desta e de todas as outras vidas.

Temos muitas situações para treinar e desapegar. Comece agora e só pare quando sentir-se leve como a risada de um bebê e livre como “uma calça velha, azul e desbotada que você pode usar do jeito que quiser, só não usa quem não quer...”. Esse era o jingle de uma propaganda de uma marca de calça jeans de um tempo que não volta mais. Era boa! E aproveito par citar uma frase retirada de um texto do blog do Kelmer e faço das suas linhas as minhas (será que dá?): “ Liberdade é sermos quem realmente somos em nossa essência mais legítima. É uma velha idéia azul e desbotada. Mas que nunca vai estar na moda. Ainda bem. “

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

De perto ninguém é normal.





Estou há mais de seis anos em Natal e isto me leva a uma conclusão que todos temos um tempo diferente, ciclos diferentes. Isto significa que a cada ciclo há uma mudança, uma transformação a ser feita. E como o meu geralmente é de cinco anos, já estou de olho para ver qual será a mudança dessa vez. Tem gente que trabalha no mesmo lugar até se aposentar, mora no mesmo lugar até morrer, mantém as mesmas relações, fazem os mesmos passeios, e por aí vai. Eu admiro quem é assim, porque acho que deve ser desafiante manter-se num mesmo ritmo, ser constante. Mas também pode significar medo, medo de fazer o que nunca fez, de errar, de gostar de fazer diferente, de descobrir que existem outros significados de estar vivo. Arriscar-se pode significar a morte para muita gente. Estas pessoas querem ser arriscar sim, mas em algo seguro, gostam de saber onde pisam, querem saber o resultado.

Eu afirmo que admiro estas pessoas, mas não sou assim e nem saberia ser. Para mim seria a morte. A morte da minha criatividade, da espontaneidade, de poder se surpreender, de ver algo que nunca viu, de sentir sentimentos estranhos, às vezes confusos. É ser meio esquizoide. Percebi que este traço de personalidade aplica-se às pessoas excêntricas, mas não “loucas de pedra”, após ter lido o livro O QS – Inteligência Espiritual de Dannah Zohar. Essa característica justificaria as ideias de Einstein que modificaram a ciência e seu mundo previsível. Também se aplica aos grandes revolucionários, como Gandhi, entre outros. E os artistas, que se pode dizer deles senão pessoas geralmente “desencaixadas” da realidade vigente? Como Campbell disse: “os artistas acessam algo que nós, pessoas preocupadas com as contas no fim do mês, jamais conseguiriam acessar, enquanto acreditarmos que a vida é só pagar contas.”

Estes tipos esquizóides parecem esquisitos sim, mas de que outra forma poderiam “criar” as condições para uma nova ideia, um novo poema, uma nova expressão? Esses loucos, que não são de pedra, geralmente a sociedade perdoa porque inventaram uma nova ordem. Porque souberam aproveitar suas esquisitices para compreender o mundo e eles mesmos. Os outros loucos, que internamos, não tiveram e nem terão esta mesma oportunidade. Eles não conseguem ser compreendidos nesta forma que o mundo assumiu. Eles acessam outras formas, mas elas não se encaixam e “precisam” ser mantidos longe da sociedade. Depois que escrevi este texto participei de uma palestra sobre o encarceramento de pessoas com problemas mentais e a palestrante disse algo bem interessante sobre mantermos o distanciamento daquilo que é diferente de nós porque também vivemos encarcerados em nossos preconceitos.

Na tradição oriental a diferença entre um iluminado (uma pessoa autorealizada) e um esquizofrênico é que o primeiro mergulhou no oceano da bem-aventurança e nadou, e o segundo também mergulhou no oceano, mas afogou-se, e o pior, ninguém sabe como ajudar e os poucos que tem vontade encontram dificuldades. O oceano significa o espaço onde o pequeno eu se funde com o grande Eu, com a totalidade, e a experiência de união chamada Yoga acontece.

Talvez eu queira justificar as minhas esquisitices e também afirmar que de perto ninguém é normal mesmo! Quanto aos ciclos, todos nós temos. Um ciclo pode durar uma vida toda, algumas décadas, poucos anos, parcos meses, mas todos nós possuímos ciclos que se abrem e ciclos que se fecham. Ciclos concêntricos e excêntricos (adoro esta palavra, não sei por que), numa espiral evolutiva e que inclui os ciclos anteriores e expande para a possibilidade de outros ciclos surgirem. Quem pensa que a vida é estática, que a gente fica olhando para o céu vendo o desfile do sol e da lua sempre do mesmo ponto, já morreu! Quem não se questiona sobre a vida, sobre si mesmo também já morreu! É a morte da percepção, da clara visão, da possibilidade de despertar.

Lembra que eu já disse que a roda gira porque nós giramos a roda? Mesmo que pensamos que estamos parados vendo os satélites, planetas e estrelas surgirem no céu ou, pior ainda, acharmos que tudo está do mesmo jeito desde o primeiro dia que o universo “Bum!” surgiu, afirmo que a roda gira sim. A consciência se transforma, a lagarta vira borboleta e o yogue que se ilumina recria o universo.