segunda-feira, 12 de julho de 2010

O que é realmente Yoga?




O octógono, ou melhor, a chouprana, também trazia em seu desenho a base de toda filosofia do Yoga, proposta por um grande sábio, que muitos acreditam ter vivido entre os séculos 5 e 6 antes de Cristo. Ele deu à humanidade a forma que hoje conhecemos como a filosofia do Yoga: os oito degraus de desenvolvimento da mente para atingir o estado de Iluminação. Essa escritura, os Sutras de Patanjali, é considerada o grande manual da psicologia do Yoga. Só para você saber o grau de entendimento que este sábio tinha: esta escritura poderia ser a base de toda psicologia moderna. São ensinamentos práticos e o corpo do yogue é o seu lugar de experimentação e libertação.

Ele começa assim, em seu segundo sutra: “O yoga é restrição das modificações da mente”. Esta é uma das definições. Existem muitas, porque é um dos textos mais comentados no meio do Yoga. Patanjali discorre a maneira como a mente atua, o que nos impede de ter domínio sobre ela, de que forma podemos torná-la nossa aliada na busca da Iluminação e os passos que isto pode acontecer, os níveis de iluminação (samadhi), como se chega a ele, quais as técnicas e o que acontece neste estado último da experiência yóguica.

Esta escritura é uma sintetização do processo de Iluminação, fundamentada por quem já passou por todo este caminho, não é uma mera especulação intelectual. Isto que é o mais fantástico de todo este conhecimento que Patanjali coloca em oito níveis de percepção e que não representa uma passagem de um estágio para o outro, porque todos acontecem simultaneamente numa espiral evolucionária de percepção: dois deles (yama e nyama) nos orienta agir no mundo através da observação de nossas atitudes, pensamentos e palavras. Fala de práticas como a não violência, a verdade, o controle dos sentidos, a não possessividade e não roubar. Estes são os preceitos dos Yama. E os Nyama são pureza, contentamento, autodisciplina, autoestudo e entrega. Estes códigos de conduta devem permear todos os demais “angas” ou partes do caminho óctuplo do Yoga.

O terceiro nível de percepção é prática sistemática de Asanas (posturas psicofísicas), que prepara o futuro yogue fisicamente para se sustentar no propósito (sankalpa). Neste ponto temos acesso a outro conhecimento: o do Hatha-Yoga. O quarto nível é o de controle e expansão e direcionamento da energia vital: os Pranayamas. Todas estas práticas com o objetivo de purificação dos corpos denso e energético e que levam o praticante a aprofundar-se na real natureza de sua existência, ao conhecer intimamente a sua relação com os sentidos, e de como esta relação é o fruto da ignorância (avidya). Neste nível de percepção desenvolve-se Prathyahara (controle dos sentidos). É nesse momento que podemos dizer que o Yoga começa e que conduz à concentração, Dharana, pois a mente já não se ocupa com distrações (citta-vrttis). Segue-se Dhyana, meditação. Tudo antes é preparação do sadhaka (praticante) para chegar ao Samadhi, a Iluminação.

Isto é um resumo de um longo caminho de prática contínua e desapegada (Abhyãsa e Vairãgya). Os yogues firmes e decididos chegam à dissolução da ilusão e atingem Kaivalya (Auto-Realização).

E muitos perguntam como isto funciona na prática? Na prática estes estágios têm outra dinâmica, porque o processo de autoconhecimento é uma espiral evolutiva e ao compreendermos que tudo é um fluxo contínuo de percepção, este modelo pragmático, em etapas, não tem sentido. Podemos compreender isso quando nos encontramos numa postura de Yoga que fazemos todos os dias. Se estivermos realmente praticando veremos que a cada dia há uma nova maneira de “estar” na postura e que permanecemos nela apenas por um tempo. Mas o que levamos deste entendimento conquistado a cada prática é que nos mantêm no fluxo. Meu professor me ensina que nós não vivemos no asana (postura). E como também ensina minha outra professora, a prática do Yoga começa quando saímos do “tapetinho”.

“Os estados de fluxo não são conquistas definitivas, o que queremos é conseguir entrar e sair quando precisarmos, e manter o estado sem tensão para que o fluxo da experiência aconteça (ou nos estados mas profundos da não experiência) E o mesmo acontece quando meditamos ou estamos em qualquer parte dos oitos “angas” do Ashtanga Yoga” orienta meu professor. Ele continua ensinando que tudo é estável e dinâmico ao mesmo tempo Conhecido pelos estudantes do Yoga como “Sthira” (estrutura) e “sukha” (maleabilidade), estes dois aspectos da prática são simultâneos para permitir o fluxo que é a consciência. Explica que os sutras não são taxativos e sim, sintéticos, mas ao mesmo tempo polissêmicos, multisignificativos, graças à estrutura do sânscrito, diferentemente das nossas línguas ocidentais que não têm essa capacidade de sintetização e por isso precisamos escrever muito criando um contexto de significado aberto a reinterpretações. Isto também acontecia na Índia antiga, por isso todos os textos clássicos têm inúmeros comentários.

Só de saber já nos inspiramos e desenvolvemos uma profunda gratidão por todos que mostram a possibilidade deste encontro final consigo mesmo, pois como escreveu Mircea Eliade em seu precioso livro Yoga e Imortalidade: “A liberação do homem “libera” ao mesmo tempo um fragmento da matéria, à qual é permitido, assim retornar à unidade primordial de onde surgiu. O yoguin contribui direta e pessoalmente para o repouso da matéria, para abolição de pelo menos um fragmento do cosmos.”

Significa que cada um de nós que "despertar” para sua verdadeira essência (svarupa), ajudará a tornar este mundo um lugar melhor para se viver. Então, vamos manter nosso sãdhãna (prática) que envolve os oitos níveis de percepção ensinados por Patanjali e nos encontraremos lá em Kaivalya a qualquer momento.


Quem ajuda quem?



Sempre procurei professor substituto, mas não encontrava. Primeiro porque meu estilo de prática era um pouco diferente e segundo, os poucos professores que existiam já estavam comprometidos com suas aulas. No primeiro ano como instrutora precisei tirar umas férias, visitar minha família. Tive que “importar” um professor do sul. Ele curtiu e as alunas também. Imagine um professor com cara de Jesus e um sorriso perfeito. Foi o maior alvoroço na chouprana.

No segundo ano, caiu de pára-quedas outra professora do sul. Queria porque queria morar no calor e ficou na minha casa alguns meses. Excelente companhia de prática e estudo e maravilhosa nas artes culinárias. De repente apaixonou-se por um aluno do espaço muito querido. E ele levou-a embora para o sul, e junto minhas esperanças de ter uma parceira no Yoga e comer bem até o resto dos meus dias!

Quando fui para Noruega, veio outro anjo do sul que cuidou dos meus alunos, da minha casa e do meu filho. Devo a esta pessoa toda a gratidão, pois sua passagem em minha vida deixou rastros luminosos em meu coração e de todos que a conheceram.

Sempre tinha uma “neura” que precisa ter uma parceria na Casa de Yoga. Incentivei até um aluno que adorava a prática, a fazer um curso de yoga e ele fez. Consegui meu professor substituto! Trabalhamos juntos algum tempo até que ele começou a trilhar sua própria trajetória como professor de yoga. Ele diz que se sente agradecido por ter-lhe inserido no Yoga. Se ele soubesse (vai saber agora) que ele é que tem sido um grande mestre, pois ele tem algo que eu não tenho e duvido se terei: calma. E também um carro que fez muitas mudanças minhas! Pronto já falei.

Hoje posso afirmar que tenho uma companheira no Yoga e que temos crescido muito juntas. Estudamos, praticamos, damos boas risadas e nos divertimos com a nossa ignorância (avidya). Ela é como uma irmã mais nova. Tem sempre me apoiado e me dado muitas orientações sobre as minhas aulas e nos cursos de formação. Quando a conheci, sei que a assustei com meu jeito aberto e já dizendo que ela poderia dar aulas no meu espaço. Ela tinha recém chegado a Natal e só me ligou procurando um local para praticar. A minha carência era tão grande de trocar com outros professores, que me empolguei quando a conheci e também depois que vi a sua competência como professora de yoga. Outra coisa que nos atraiu foi a cumplicidade no estudo. Somos ávidas por ler e quando uma compra um livro, a outra já quer ler. E se for muito bom, compra um igual para não ter briga.

O satsang, o encontro de pessoas com o mesmo objetivo e interesses, acelera a nossa evolução no caminho do Yoga. Considero alguns alunos como o reflexo de todo o meu aprofundamento na senda. Estes alunos tornarem-se amigos e mantemos uma relação de amizade assentada no conhecimento do verdadeiro Yoga. Eles sempre que podem, participam dos cursos, ajudam com recursos financeiros e pessoais, divulgam a filosofia do Yoga e são exemplos vivos da dedicação. Agradeço a eles, porque através da sua presença em minha vida, pude estabelecer o meu propósito (que chamamos de Sankalpa: um pensamento firme e positivo) e ele tem se cumprido na medida em que compreendo e aceito o propósito maior.

Lembro-me da primeira vez que a minha professora esteve em Natal, em 2005, e vi a sua perplexidade em relação à maneira como me relacionava com todos. Em tão pouco tempo eu já tinha criado uma rede de pessoas em volta da Casa de Yoga. O marido dela comentou que eu tinha uma facilidade em me relacionar e que me mostrava sempre aberta. Coisa difícil de entender para quem mora no sul. Mas eu estava no nordeste e aqui é muito quente. O frio afasta um pouco as pessoas, o que deveria ser ao contrário. E na última vez que ela esteve, foi pior, porque eu dependia de muita gente para poder organizar o evento em que ela participaria como palestrante. Eu falei que vim aqui para aprender a aceitar a ajuda dos outros. No sul eu era muito independente, me achava a tal. Hoje tenho reconsiderado muito deste padrão de não aceitar o que lhe é oferecido. Aceito de bom grado e sempre que posso, retribuo.

As pessoas que me ajudam se sentem atuantes e felizes por poderem contribuir com o trabalho que tenho feito em Natal, divulgando o Yoga, trazendo os nomes mais reconhecidos e respeitados no meio para criar uma egrégora forte que ajude a sustentar esta chama. Sei que é isso que vim fazer aqui e alguns professores de Natal tem me agradecido por este esforço. Já me falaram que sou a empreendora do Yoga. Isso faz parte da minha personalidade. Faço o que eu gosto e que acredito. E se eu parar de fazer é porque já cumpri algo dentro de mim. Precisamos ser independentes, principalmente na nossa prática pessoal. Precisamos de orientação para cada etapa em que vamos evoluindo, mas o caminho é feito pelas próprias pernas do caminhante. Já falei muito sobre isso.

O Yoga é revolucionário, porque ele nos faz anarquistas, no sentido de sermos donos do nosso nariz e responsáveis por nossas irresponsabilidades. Nos torna plenamente independentes. O professor lá na frente é só um mero instrutor e ele só pode te guiar até onde foi. E quem disse que o aluno não pode ir além? Ele deve arriscar-se, não se limitar às aulas que freqüenta. Investigar, questionar, experimentar! Esse é o perfil do genuíno yogue ou yoguini. E se possível, abrir mão do seu instrutor e ver o quanto pode progredir andando no fio da navalha. O aluno é como um bebê começando a andar. O instrutor segura ele até certo ponto. O bom instrutor é aquele que solta o aluno no momento certo de ele andar, sem cair. E se cair faz parte do aprendizado.

Nos últimos dois anos eu abandonei muitos alunos por circunstâncias do momento, não que estivessem preparados. Dá para contar nos dedos de uma mão aqueles que poderiam continuar seguindo sozinhos. Isto porque somente alguns conseguiram ou desejaram compreender a essência do Yoga. Ter muitos alunos não é tão importante, quando não se depende exclusivamente do yoga para sobreviver. Às vezes é melhor ter poucos e dedicados do que muitos entrando e saindo.

O Yoga é uma arte. A arte de ser livre em meio aos tentáculos da ilusão. São tantos braços que se estendem em nossa direção que muitas vezes nos deixamos envolver. Como escreveu meu professor ao conversarmos sobre a ilusão (maya): “O universo, o uno no diverso, é um grande circulo multidimensional. A realidade última e a manifestação são a mesma coisa, esse é o segredo de qualquer escola de filosofia perene: tudo existe e tudo não existe, depende de como e onde está a tua consciência".

terça-feira, 6 de julho de 2010

O corpo tem alma ou a alma tem corpo?




Aprendi nos livros de Teresa Bertherat, a percursora da antiginástica, que o corpo precisa, antes de tudo, ser respeitado. Impor posturas para o qual ele não tem condições de sustentar é no mínimo ser irresponsável e lá na frente recebemos o fruto da nossa irresponsabilidade, ou melhor, do nosso ego (ahamkara).

Segundo ela, temos um tigre. E ele ruge toda vez que não entendemos princípios básicos da relação com o corpo. Sofremos de encurtamento posterior do corpo e, segundo a sua mestra (Francoise Mezieres), este é o problema da maioria das pessoas. E o que fazem elas? Fortalecem as costas. E aí que está o grande erro. As costas já estão com excesso de rigidez, por causa das tensões musculares que entortam a coluna gerando escoliose, hiperlordose e outras oses. Ela afirma que precisamos criar força nas cadeias musculares anteriores, ou seja, na frente do corpo, que está solto, colapsado, sem força. Temos medo da queda, por isso encurtamos as costas. Levamos milhões de anos para nos colocar em pé, e o esforço foi tão grande que ainda temos o medo de cair, para frente, perder o equilíbrio. Ainda não sabemos nos manter na Linha (da Ida Rolfing), porque precisamos aprender a organizar nosso corpo, parar com a dualidade da mente, e encontrar o eixo que nos sustenta. A leveza do corpo se encontra quando conseguimos nos manter mesmo com todo o peso da gravidade. Este é o segredo, encontrar o centro do nosso ser. Rudhyar, astrólogo filósofo em seu tríptico astrológico afirmava que “no centro cessa a gravidade. Do centro, o indivíduo pode sair em qualquer direção que Deus lhe determine – o Deus em que ele se tornou”.

E depois de ler todos os livros de Terese Berterath, alguns de Stanley Keleman e um da Ida Rolfing, começo a entender um pouco mais o que o meu professor tem insistindo em suas palestras sobre Yoga, e que muita gente boa no meio, fica ofendida. Ele fala da tal conexão Céu e Terra, que foi o que gerou todas estas histórias e que se tornou, como ele mesmo sugeriu, um diário de bordo para ajudar aqueles que se aventuram pela primeira vez nesta ciência que é o Yoga. Ele explica as espirais de energia e da tridimensionalidade do corpo. Fala que a prática do Hatha-yoga é uma prática de conservação da energia, que se encontra dispersa em forma de pensamentos, emoções. Afirma que precisamos desenvolver a propriocepção do corpo para que possamos nos transformar fisicamente, mentalmente e espiritualmente.

Eu sei que ele não inventou nada. Ele é um grande pesquisador e usa seu corpo como um laboratório vivo. Entretanto ele afirma que o Hatha-yoga é tudo que precisamos para sermos plenos. Que entender as escrituras clássicas do Yoga, mas também a anatomia e a fisiologia, nos ajuda no desenvolvimento da nossa própria percepção. Precisamos, professores e alunos, ser mais curiosos a respeito do nosso corpo, porque ele é a fonte básica do conhecimento, do prazer e do sofrimento. Nossa biologia explica nossa biografia já disse Carolyne Miss em seu livro Anatomia do Espírito. Igualmente Keleman no seu livro O corpo diz a sua mente: ”a minha forma corporal particular, meu sentimento corporal particular é testemunha do meu caráter particular”. O corpo nunca mente, afirma ele.

Descobri que tenho uma relação de negação com meu corpo, porque desde cedo ele me incomoda (ou eu o incomodo?). Na fase de crescimento senti muitas dores nas articulações. Aos 20 anos sofria de dores no nervo ciático por conta de problemas posturais. Lembro-me do primeiro diagnóstico: o peso do meu corpo caía anterior ao sacro. Eu era magrinha, mas meu corpo pesava mais do que podia suportar. Depois engordei 14 quilos em dois meses, devido aos problemas nos ovários. E tudo piorou. O primeiro médico que fui já queria fazer uma cirurgia e tirar uma vértebra que eu tenho a mais. O diagnóstico do segundo médico deu a nítida impressão que eu iria chegar aos 30 anos numa cadeira de rodas. Quase fui para faca, mas antes usei colete para endireitar a coluna e palmilha porque uma perna era mais curta que a outra. Fiz muitas sessões com a tal fisioterapia da época. Penduravam meu pescoço numa tira de couro com um peso puxando. Colocavam meu corpo numa mesa que se abria no meio, acho que era para abrir espaços nas vértebras. No tempo da inquisição deviam usar estes recursos para torturas.

O terceiro médico foi aquele que me deu a mão e disse bem assim: você precisa se alongar e não se preocupe porque você não vai morrer por causa da sua coluna. Ele me mostrou, ali mesmo, na sua sala, alguns exercícios que eu poderia fazer.

É por essas e outras que desconfio de trabalhos terapêuticos corporais em que a participação do paciente é mínima. Não há como desenvolvermos o autoconhecimento se entregarmos ao outro a parcela da nossa responsabilidade em nos curarmos. Hoje tenho um amigo osteopata que para mim, é muito mais do que um profissional que encaixa as minhas articulações e vértebras. Depois de muitos anos sem ninguém tocar meu corpo, descobri esta pessoa de grande sensibilidade (e tamanho também!) que tem me ajudado no meu processo de cura, mas com o diferencial de respeitar as respostas que meu corpo dá à suas manipulações. Uno a minha prática de Hatha-yoga com as orientações que ele me passa, para que o tratamento tenha um resultado adequado.

Quando conheci o Yoga, aos 33 anos e já crucificada pelos meus erros, meu corpo era apenas uma forma para atender um padrão estético de magreza total, sem barriga e tudo durinho. Um corpo sem alma. Fiz muita musculação, tanto que na época me chamavam de Madonna. Depois larguei tudo isso, quando descobri uma artrose no pescoço. Foi somente com Yoga que comecei a ter resultados visíveis e tomar consciência do meu corpo e da alma em meu corpo.

Segundo B.K.S.Iyengar, “somos biologicamente determinados, por natureza, a buscar aquilo que favorece a nossa evolução”. Ou seja, temos todas as condições em nosso corpo para sermos plenos, já disse isso antes e repito. Se não é pelo amor que seja pela dor.

E como o Yoga, mais especificamente o Hatha-Yoga atua? O Yoga como prática corporal cria uma abertura interna entre nossas articulações, vértebras, órgãos, através das posturas (asanas). Esse espaço é um campo de possibilidades onde nossa consciência se manifesta, a percepção de “estar no mundo” se amplia. Ao criarmos estas aberturas internas, estamos nos abrindo para algo maior, além da limitada visão que temos da vida, para muito além do nosso umbigo. O Yoga nos leva a esta dimensão, que nos liga a todos os seres. A prática que fica apenas no corpo, dá saúde, bem-estar, mas restringe a ação do Yoga. Unindo tudo isto à respiração consciente e aos pranayamas (que é o controle da energia vital), o processo se potencializa e você se prepara para estados mais profundos desta ciência milenar.

Experimente um pouco: se você está sentado, sente com a coluna alinhada ou fique em pé. Procure expandir-se para além do corpo ao respirar de forma ampla, com toda a capacidade dos seus pulmões, mas não precisa puxar o ar com toda força, não. Vai mais leve, deixe que o movimento da respiração, aos poucos, vá criando aqueles espaços internos. O ar entra e com ele sentimentos bons de saúde e paz. Você deixa que o ar passeie por todas as direções dentro dos seus pulmões. Na frente, atrás, dos lados. Ao exalar, permite que todo ar saia, aos poucos, uma exalação longa, profunda e junto com ele pensamentos incômodos, emoções estagnadas.

Sinta que à medida que você vai fazendo esta respiração, o campo de energia ao seu redor começa a se ampliar e aquela sensação de abertura também. Dizem que para fazer Yoga precisamos apenas ter pulmões e coluna. Coloque também o cérebro e vai ver o que acontece! Você cria asas e nem precisa tomar red bull!

O Yoga confunde ou confundimos o Yoga?





Tenho dificuldades em lidar com o assunto religião, mas adoro a espiritualidade, que é o passo seguinte para aquele que se torna um religioso verdadeiro, que leva a sério a sua religiosidade. Isto foi dito, mais ou menos assim, por George Feurstein, em seu livro As Virtudes do Yoga. Concordo com ele, e também acrescento que a religião não é pré-condição para ser espiritualizado. O yogue sempre foi considerado na Índia das castas, aquele que não tinha casta, que podia transitar livremente por todas as tradições. Era aceito entre os reis, mesmo sendo um renunciante à vida material. Ele tinha algo que ninguém possuía: discernimento e sabedoria, além de ser imparcial, porque não tinha interesse pessoal. Seu único interesse era sua própria libertação (moksha).

Parece um pouco egoísta, mas não é. O caminho do yogue é solitário. Ele pode começar com a orientação de um mestre, mas é só no começo. E a sua libertação, no final da jornada, acende uma estrela no céu da Iluminação e cria novas condições, num nível subatômico, para que outros possam seguir o mesmo caminho, com segurança e liberdade. É como aquela música do Gilberto Gil: há de acender uma estrela no céu cada vez que você sorrir!

Então o yogue solitário contribui, na sua Iluminação, para que a consciência se expanda e atinja outros seres. Pelo menos eu acredito nisso, porque quando consigo compreender algo um pouco mais, como, por exemplo, quando coloco em prática a minha capacidade de acreditar, sinto a leveza no coração e o mundo fica um lugar melhor para se estar. Imagine quando um yogue se ilumina?

E essa coisa de se iluminar, como meu professor já disse, é algo que estamos sempre fazendo. Acontece quando temos uma ideia, um insight, escrevemos uma poesia. Ele explica da seguinte forma: temos um problema e precisamos resolver. O que fazemos? Ficamos isolados refletindo sobre o tal problema. Isto é Dharana (concentração). Criamos um estado de total absorção, onde todas as possibilidades de resolução do problema são observadas e ponderadas. Isto é Dhyana (meditação). E vem a solução depois de um certo tempo. E isto é Samadhi (Iluminação). Esta solução pode acontecer na sequência do processo ou em outro momento, quando nossa mente está limpa, tranquila e já ponderamos (meditamos) o suficiente sobre a questão.

Feurstein, no livro acima citado, fala da mesma coisa e chama de autotranscendência mais ou menos intencional, e cita exemplos: “sempre que amamos, quando temos sentimentos de compaixão, quando fazemos sacrifícios pessoais, quando aprendemos, quando mudamos de ideia a respeito de algo, quando assumimos um regime dietético ou de exercícios, quando rompemos com um padrão negativo de hábitos, quando superamos o medo, quando protestamos de modo corajoso contra um comportamento ou regra censurável”.

No entanto, a autotranscendência do yogue é intencional, é madura. E copiando Feurstein: “Ele segue um caminho espiritual de modo deliberado e voluntário, por meio do qual procura ultrapassar o sentido comum do eu, que é a idéia convencional de habitar um único corpo, distinto de todos os outros”.

O caminho do Yoga é o andar no fio da navalha, dito pelo mesmo autor acima. E sem se cortar. Mas o verdadeiro yogue sabe disso e ele faz o caminho parecer um trajeto tranquilo, porque os obstáculos são o seu deleite. É por isso que o estudo aprofundado do Yoga alimenta a nossa alma, porque é a própria alma relembrando outras almas do propósito (Dharma) que une todos em uma teia de complexas e envolventes relações a que chamamos de vida.

Comecei este texto porque lembrei que tenho muitos amigos em diversas religiões, principalmente no Movimento Hare Krishna. Quando morava em Curitiba, eu frequentava os festivais de domingo. Eles eram muito animados e eu saía de lá sempre muito feliz. Era a fase em que fiquei mais devocional, depois de ter conhecido um mestre indiano chamado Sai Baba. O que posso revelar é que pela primeira vez senti o Amor Divino, o amor de Pai e de Mãe juntos, em meu coração. Se me perguntarem se sou uma devota, eu tenho que ser franca: não!

Respeito o Movimento Hare Krsna e também outras linhas orientais, como o Budismo. Muitas ideias centrais do Budismo estão relacionadas com a visão do Yoga. Mas sempre há divergências e é a diferença que enriquece cada um deles. Procurar pontos de discrepância costuma ser apenas usado para confirmar a arrogância de que o nosso caminho é o mais correto. Os pontos comuns são muito mais visíveis e nos aproximam. Yoga significa união e todos os yogas, seja da devoção (bakti yoga), seja da ação (karma yoga), seja do conhecimento (jnana yoga) ou do corpo (hatha-yoga), expressam o ideal de viver em comunhão e de transcendência da ignorância.

O que precisamos aprender quando nos colocamos à frente de um grupo de pessoas para ensinar o beabá do Yoga (porque eu sou ainda um bebê engatinhando e talvez seja por isso que eu gosto tanto da postura do gato), é respeitar as escolhas religiosas e não religiosas dos praticantes, não impor as suas crenças e mestres e nem montar altares com as fotos destes mestres, porque podem virar motivo de piada e até de desrespeito. A devoção, no meu entender, é algo íntimo. Pertence à esfera pessoal de cada indivíduo. Outra coisa, que meu professor comentou em uma de nossas conversas sobre o verdadeiro Yoga, é que não tem sentido ficar cantando mantras para diversas deidades diferentes. Por exemplo, cantar manta para Krishna e para Shiva. São aspectos distintos da divindade. São invocações a arquétipos (na visão mais yunguiana) que representam coisas distintas. E transformar mantras, que são sons sagrados, em kirtans para todo mundo cantar enfraquece o poder do mantra. E, segundo ele, Krshna Das é o que pode se considerar aquele que matou a essência do mantra.

Bom, eu acredito nisso, apesar de ter curtido muito os mantras transformados em Kirtans. Mas se refletirmos por este outro prisma, precisamos ter mais discernimento e não criar uma confusão maior junto aos incautos praticantes do Yoga. Vale aqui uma receita bem simples: se não conhece o que está fazendo, não faça. A honestidade no Yoga é o que o torna uma tradição das mais respeitadas na humanidade e que ainda permanece presente há mais de 5 mil anos. Um presente da Índia a todos os seres viventes neste planeta. Salvemos o Yoga da nossa própria avidya (ignorância)!

Ser ou não ser? Não dá para ser os dois?




A ilusão de ser alguém que ainda nem estamos realmente preparados para ser, pode criar certos constrangimentos. Quando conclui meu curso de Formação em Yoga, minha professora disse que eu estava preparada para ser instrutora. Mas eu sabia, intimamente que não. Eu tinha uma habilidade, que ainda preservo, para que eu aprenda com ela: a de mostrar uma segurança que nem sempre possuo totalmente. Tenho aquilo que chamam de excesso de autoconfiança. Isso sempre me ajudou a conquistar algum espaço na vida e passar a impressão de ser como a rocha de Gibraltar (um ex-namorado escreveu isto ao se referir a mim, é uma rocha majestosa que fica bem na entrada do Mediterrâneo!). Meu ex- marido já falou diferente: sou uma fachada. Hoje quando lembro, acho engraçado, porque ele de certo forma tinha razão. Mas eu não fazia isto de modo consciente. Eu precisava me aprovar antes do outros o fazerem. Todos nós temos os nossos mecanismos de autoproteção, de preservação da nossa identidade (ou melhor, do ego e que é conhecido como Ahamkara).

Saí da formação com a nítida impressão que o chamado do Yoga não era para mim, não naquele momento, com aquele primeiro contato de 12 encontros mensais. E olha que eu já estudava sobre esta filosofia (é muito mais que isso) uns 5 anos. Só que já havia montado um espaço em Curitiba, junto com outra professora. Estava ainda trabalhando numa empresa de informática, quando aluguei a casa e reformei-a toda para que se tornasse um local de prática e outras terapias afins, e que duraram 8 meses. Nem cheguei a dar aulas no espaço, só a minha sócia. Decidi que não era em Curitiba que eu iria trabalhar com Yoga. Larguei um emprego de quatro anos, depois do papo com a minha terapeuta, quando ela perguntou se eu queria morrer, já que estava somatizando outras doenças em meu corpo. E o medo até que nos impulsiona, não é mesmo? Foi assim que vim para Natal. Abracei o medo e fizemos a mala!

E meu primeiro constrangimento em Natal foi quando meu único aluno em dois meses de aula, falou um dia para mim, quando contei que era formada em economia e já trabalhei em empresas: pensei que você sempre fora professora de yoga. O pior foi quando ele me viu com um namorado, uns meses depois, e achou estranho, pois pensava também que eu já tinha renunciado ao sexo, ou seja, era uma Brahmacharin. Já me pararam algumas vezes na rua me perguntando se eu era professora de yoga. Fico impressionada com a capacidade que temos de não discernir o real do ilusório. O estudo e prática do Yoga nos ajuda a expandir o nosso discernimento (Viveka).

Também tem a tal da imagem do professor de yoga: alguém magro e com olhar de peixe morto. Acho que foi isso que aconteceu comigo. Preciso ficar mais gordinha, como a minha mãe já recomendou!

Peço compreensão a minha professora que se esforçou e ainda se esforça para que o Yoga seja a fonte de inspiração de todas as nossas atitudes, pensamentos e ações. Eu, francamente, desejo isso para mim e para todos que buscam a si mesmos. Entretanto, ainda não consigo evitar ter dúvidas, ir adiante com elas e, de repente, parar, voltar alguns passos atrás, ajeitar o passo, e continuar o caminho. É isso que estou fazendo agora! Estou tecendo uma nova trama na minha vida. Sinto como se fosse um pescador, tecendo a rede, jogando ao mar e aguardando o dia amanhecer. Descobri que ainda tenho que vir-a-ser!.