segunda-feira, 28 de junho de 2010

A Jornada de uma Heroína ou de uma Menina?



Sou arrogante e se não fosse escreveria sobre outros assuntos e não sobre os acontecimentos da minha vida. Não é que eu ache minha vida interessantíssima a ponto de publicar algumas histórias, mas como meu professor escreveu (mais ou menos) depois de ler algumas delas: “muitas pessoas podem ter empatia com estes textos, já que fazem um resumo das dúvidas e crises que muitos praticantes de yoga passam e, de certa forma, ajudá-los a se posicionarem ante este universo vasto e milenar”. Entretanto, quero evitar em ser tão arrogante assim para compartilhar alguns momentos que fui colecionando desde que decidi vir para Natal. Também conheci muitas figuras interessantes que foram delineando a minha estadia nesta cidade. Elas vão aparecendo de repente, sem ordem cronológica, contornando as paisagens de um diário de bordo que registro no papel, na mente, no coração e que a partir de agora serão de domínio público.

Vou começar com duas declarações, da minha mãe que me deu a vida e da minha professora de yoga que me fez renascer para a vida. Isto colabora para que minha arrogância fique um pouco enjaulada ou menos evidente.

Primeiro: o que minha mãe tem a dizer:

Filha, isto é coisa do demo! (o yoga) Larga disso, você está ficando magra. Você tem uma formação e está jogando tudo fora. Por aí vai, mãe é sempre mãe, não dá para evitar, mas ela tem um pouquinho de razão quando diz que estou ficando magra, aliás, eu sempre fui, ela que nunca se deu conta.

Segundo: o que a minha professora disse quando “surtei” no último dia da formação em Yoga no ano de 2003, porque yogue também surta, mas não conta:

Larga tudo e vai para Natal! Já que eu não cansava de dizer a todo mundo que quando conheci Natal pela primeira vez, em 1998, minha alma ficou presa lá, ou ela já estava e só meu corpo se encontrava no sul, tanto faz.

Lembro-me do momento em que decidi voltar ao nordeste, depois de um fim de semana catártico e de uma das mais difíceis passagens pela noite escura da alma. Larguei tudo e vim para Natal e aí que começa realmente, a passos cambaleantes e “empurrantes” a minha jornada de yoguini nada heroína. Pela segunda vez, agora em 2004, deixei filho, família, trabalho, para o desespero e incompreensão de todos. Como poderia alguém compreender se nem eu mesma entendia o que estava acontecendo?

Já estava em Natal havia três meses, um pouco desiludida com as coisas que não aconteciam, quando levei o meu primeiro pé na bunda, efeito de uma fulminante paixão (eu e minhas paixões!), a qual me motivou fisicamente a fazer algo, já que o pé no traseiro foi sentido fisicamente, iniciando um processo de instabilidade sacro-ilíaca que perdura até hoje (e cujo fim do túnel ainda não dá para ver a luz).

Dizem que até um pé na bunda (vou escrever bunda mesmo, Drumond escreveu, oras!) põe a gente pra frente. Também foi uma experiência gratificante, não é assim que se diz quando passamos por uns maus bocados? Experiência gratificante! Quem inventou esta expressão? O que pode ter de gratificante em levar um pé na bunda? Aliás, tive uma sucessão deles e sei que são os efeitos da lei mais básica da física: toda ação tem uma reação com a mesma intensidade em direção oposta. É a lei do karma, e que no Yoga não significa punição, como muita gente acredita, e sim, uma lei mecânica e que geralmente achamos injusta, só que ela é infalível e inevitável, já que é acionada toda vez que agimos ou pensamos. E como se faz então para não receber de volta tudo que se fez aos outros de forma egoísta? Primeiro: praticando as ações que sejam boas. Segundo: evitando as ações que geram sofrimento. Simples? Nem tanto. Para isso é preciso que você se torne observador atento às suas ações. E já que comecei vou terminar aqui, porque já criei muitas reações e possuo a inútil habilidade de enrolar e que se chama no Yoga de vrttis ou distrações.

Continuando a história, já era maio de 2004, dinheiro curto, medo grande, quadril um pouco fora do prumo, então resolvi trabalhar com massagem, pois não havia conseguido nada melhor para fazer e a coisa já estava ficando difícil pro meu lado. Um dia a dona do espaço de massagem, sabendo que eu me formei em Yoga, perguntou se eu não queria dar aulas numa salinha bolorenta, com uma janela bem pequena e que poderia caber, com muita boa vontade, cinco pessoas. Neste momento percebi que era o que eu tinha que fazer.

No primeiro mês veio um aluno, no segundo mês o segundo aluno, no terceiro mês o terceiro aluno, e aí, sem gozação, olhei para o céu e disse para quem for que estivesse me ouvindo: ou você dá um jeito, porque estou sem grana e preciso sobreviver ou eu volto para o sul! (morrendo de medo de que isto pudesse acontecer). Encostei alguém lá de cima, na parede, ou melhor, no teto do céu, juro!. E parece que funcionou. Depois de três meses já estava com um razoável número de alunos e arrisquei um salto maior: ter o meu próprio espaço, depois, é claro de ter levado outro pé no traseiro, desta vez, estimulado pela minha língua sem travas, pois desferi palavras que nem eu mesma gostaria de escutar, em direção à dona da salinha bolorenta. Foi um momento crucial, pois este foi outro pé na bunda que me fez ir atrás da minha própria história. Quando eu lembro desses “desconfortos traseiros” percebo que meu corpo reage imediatamente e não me permite ficar num ponto parada olhando para o meu desespero.

Decidi, então, alugar uma casa com um terreno grande e construir um octógono. Foi a primeira vez que participo ativamente de uma construção. Não uma construção apenas material e sim, de um sonho que, como disse Fernando Pessoa, poeta português, depois de realizado não mais nos pertence. E foi o que aconteceu: o sonho ficou maior que a sonhadora e teve vida própria, tornando o espaço em um local de muitos eventos, de práticas e estudos do Yoga, de novas amizades e profundas mudanças.

Esta poesia eu escrevi em outra fase da minha vida, na juventude, e percebo que vim para Natal para fazer esta fotossíntese, já que sol é que não falta nesta terra abençoada.

FOTOSSÍNTESE
Sou menina
Às vezes quero caminhar sozinha
Sou mulher
Às vezes quero ser levada na mão
Estou por um fio entre a criança que não conheci
E a mulher que pouco sei
É a falta da boneca que não quis
Precipitando minha adolescência sem seios, sem pelos
Apenas sangrando
Será a estranha transformação precoce de uma menina-moça
Para uma moça menina?
Ou a mulher em botão que tem medo de água
E a falta de sol para fazer sua (foto) síntese de amor?

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